Hoje doí e vai doer.
O tempo ajuda...dizem-me.
Eu sei.
Ó se sei.
Mas trás a saudade.
E aos poucos a voz fica leve na memória...
Aconteceu com o meu pai.
Um dia ouvi lhe a voz. Chorei perdida, pois a voz que tinha na memória já era leve. Ouvia-a longe, mas pensava-a perto.
Quando ouvi, numa gravação arrepie-me. E constatei naquele momento que as saudades que sentia eram muito maiores.
Imensas.
Guardo numa caixa o último frasco de perfume do meu pai...tem dias que vou lá, como se fosse proibido.
Às minhas escondidas.
Cheiro, fecho os olhos e sinto o colo, oiço a voz, forte e firme, vejo o rosto, meio sumido, mas sinto a presença.
Passaram-se vinte-e-um longos anos, mas nestes dias parece me que foi ontem.
Nestes dias em que tenho de ser mais forte, mais ou menos emotiva, mais ou menos eu, mais ou menos racional, revejo tudo de novo.
Vejo os rostos, observo as expressões detalhadamente, se não parecesse mal fotografava. Porque os momentos de enorme tristeza, de dor, de choro, de desespero são tão sentidas, fortes e genuínas como as de enorme alegria.
Isto porque, só podemos chorar de amor por alguém que amamos e nos amou.
É uma dor sentida.
Doí.
O desapego carnal, a presença, o estar, o saber que está, custa muito perder.
Deixar de ver parece nos sempre pior que deixar de sentir.
O corpo que vemos ir, de forma tradicional, num ritual de culto, de velar, de choro, de gemido é torturante, para quem vai...para quem fica.
A despedida é cruel. É dura.
Arrancam nos, rasgam nos a Alma, levam a cada pazada de terra que bate, partes do nosso coração.
Onomatopeias reais.
Pum, catapum e o som rompe a Alma...arranca choro, dor, lágrimas.
E trazemos algo que queremos que seja só nosso como elo, como uma amarra ao que se foi.
O olfacto é poderoso.
Juraria que hoje entre rajadas de vento senti o perfume do meu pai, estava ali...de braço dado comigo.
A cada rosa branca beijada e atirada, damos de nós, queremos acreditar que sim, alivia.
E depois os ciclos repetem-se.
Regeneram.
Desde cedo que sinto a dor da perda, de ter de ser obrigada a deixar ir...até grávida tive de deixar ir o meu avô...e passados meses, depois desse ciclo fechado renasce outro, com o nascimento do meu filho no dia de aniversário da minha avó, da qual hoje, também tive de me despedir.
É este o ciclo.
É esta a viagem.
O caminho.
As paragens que nos abanam.
Que nos fazem pesar o que vale.
No que acreditamos e queremos para nós, e importante para o outro.
Para o semelhante.
Uma família de mulheres. Bravas, guerreiras, fortes, bonitas...e hoje quebraram-nos o elo. Hoje zanguei me. Hoje ralhei.
Quero crer que nesta jornada, fazemos uma escala, para uma outra vida, outro caminho, outra luz, mas, a energia, Deus a energia eu sinto! Sinto a muito!
E, amanhã será mais um dia deste caminho, e os ciclos repetem-se, as vontades mudam, os valores crescem.
E dentro da minha perda, sinto paz, porque sei que tiveste uma vida cheia de amor, e muito carinho.
Muito amor, muito mimo, muito colo.
A energia paira aqui à minha volta, sinto-a...e hoje acendo te uma vela, para que tenhas luz, calor e amor.
Paz em ti, e feliz que estás fora da matéria com quem te esperava, não tenho dúvidas.
E hoje é o dia em que abro a caixa e inspiro de olhos fechados o perfume do meu pai...e recebo o abraço, e me sento ao seu colo, e ele me sussurra ao ouvido que está tudo bem, que está tudo bem e que eu sou forte, que precisam de mim...e hoje sei que choro ao teu colo encostada ao teu ombro e que não quero da lá sair...
As pessoas que partem, deixam sempre alguma coisa para trás. Alguma coisa que fica em cada um de nós, espalhada de forma diferente por cada pessoa que amou e por quem foi amada. Hoje levas um bocadinho mais contigo e cabe a ti segurar algumas das amarras que quem partiu segurava. Cabe te a ti partilhar as memórias e os ensinamentos. Um beijo e coragem.
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